sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Aborto na adolescência


Cristina ainda estava no colégio quando conheceu Gustavo. Os dois começaram a namorar e, na primeira vez que transaram, ela engravidou. Quando soube da gravidez, Gustavo duvidou de que fosse o pai e sugeriu o aborto. Decepcionada e assustada, Cristina concordou em abortar e procurou uma amiga, Flávia, que a tranqüilizou e indicou um remédio de efeito abortivo. Cristina tomou o comprimido e dormiu na casa da amiga para os pais não desconfiarem de nada. No dia seguinte, foi à escola, mas não se sentiu bem. Começou a ter hemorragia, e a amiga a levou para um hospital, onde o aborto foi concluído.

A história de Cristina e Gustavo está no vídeo Uma Vezinha Só, produzido pela Tres Laranjas, inspirado no depoimento de centenas de meninas ouvidas pela Ecos, uma organização não-governamental paulista de pesquisa e projetos na área de sexualidade do adolescente. Preocupada com o crescimento do aborto entre os jovens, a Ecos fez o vídeo para motivar a discussão entre eles dentro e fora das escolas.

Acobertado pelo silêncio em torno do assunto, o aborto na adolescência tem crescido, nos últimos anos na mesma proporção que a gravidez. De 1 milhão de adolescentes de 10 a 19 anos que ficam grávidas a cada ano, mais de 200.000 abortam. A maioria é da classe média.

Nas classe menos favorecidas, 80% das meninas que engravidam levam a gravidez até o final. Nas classes mais altas acontece o oposto: 80% abortam. Essa foi a conclusão da pesquisa da dra. Zenilda Vieira Bruno, da Universidade Federal do Ceará, com 1.200 adolescentes atendidas na Maternidade Escola Assis Chateaubriand, em Fortaleza.

"A principal razão dessa diferença é que a adolescente de classe média tem mais facilidades e recursos para abortar do que um adolescente de menor poder aquisitivo", resume dra.Albertina Takiuti, coordenadora do Programa de Saúde do Adolescente do Estado de São Paulo.

Enquanto uma gravidez pode ser acompanhada tranqüilamente num hospital público, o aborto é feito na clandestinidade. Quanto menor o poder aquisitivo, piores as condições em que é realizado. Em geral, o aborto em uma menor de idade custa de duas a três vezes mais do que o preço cobrado a pacientes adultas: e, na periferia das grandes cidades, as pessoas que o realizam (as chamadas curiosas) recusam-se a atender menores.

Ao contrário da mulher adulta, que percebe a gravidez nos primeiros dias de atraso menstrual, a adolescente demora para identificar seus sintomas. A tendência é negá-los e achar que, com ela, uma gravidez indesejada nunca vai acontecer.

"No primeiro mês, nem liguei", reconhece Marília, uma adolescente de 16 anos que, aos 15 anos fez um aborto. "Mas, quando não veio de novo, no segundo mês, falei com uma amiga da escola e compramos um daqueles testes de farmácia. "Depois disso, Marília foi ao médico, conversou com o namorado, pediu ajuda à irmã e, quando fez o aborto, já estava no terceiro mês de gravidez.

A resolução de abortar é lenta, difícil, e parece ser algo que escapa das mãos da adolescente. Em pelo menos metade dos casos, amigas, mãe, namorado, pai ou parentes são consultados antes da interrupção da gravidez, mas são principalmente as amiga (34%) que influenciam a decisão, segundo estudo da dra. Zenilda Vieira Bruno.

Numa sociedade que supervaloriza o papel da mãe, o aborto não só é crime como um tabu, e a decisão de abortar, sobretudo para uma adolescente, é assustadora. Temendo o julgamento moral, ela não consulta o médico, que, em geral, é o mesmo da sua mãe, e prefere conversar com as amigas e buscar auxílio em uma farmácia do correr o risco de enfrentar um olhar acusador.

Muitas adolescentes se amedrontam e até desistem do aborto quando entram pela primeira vez numa clínica clandestina. "Até chegar lá, elas não tem nem idéia de que vão ser submetidas a uma cirurgia", observa dra. Albertina Takiuti. "Quando vi aquele apartamentinho feio, com um sofá velho e uma sala escura, cheia de livros, quase saí correndo", lembra Paula, uma estudante carioca de 17 anos que se submeteu a um aborto num apartamento no Leblon, zona sul do Rio. "Só não fugi porque minha melhor amiga e meu namorado estavam comigo."

Em países desenvolvidos, como França e Inglaterra, há centros de aconselhamento psicológico e atendimento de aborto. No Brasil, uma jovem nem pensa em chegar a um centro de saúde e expor suas dúvidas.

"A adolescente acaba se sentido isolada. Não sabe a quem pedir ajuda e o que decidir diante de pressões sociais que consideram aborto crime e , ao mesmo tempo, criticam a mãe-solteira", analisa a socióloga Sylvia Cavasin, da Ecos. Confusa e apavorada ela recorre ao auto-aborto, utilizando desde chás milagrosos até injeções anticoncepcionais ou superdoses de remédios.

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